Eu só queria que você me ligasse pra dizer que o mar é feito de lágrimas de saudades suas.
— Gabito
Nunes
Dizem que tudo na vida tem dois lados. Um bom e outro ruim. Depende nos olhos de quem está a pimenta. Mas se tem algo realmente ambíguo para uma única alma é um troço chamado saudade. Com ou sem pimenta nos olhos. O dito popular é quem melhor traduz a dualidade de uma saudade quando diz que esta é a maior prova de que o amor valeu a pena. Então sentir a falta é bom. E ruim. Em todos os pontos de vista. Vai entender.
“Os dois sabem que é perda de tempo tentar esquecer. Que sentir saudade não significa que melhoraram como pessoa, que agora magistralmente seus temperamentos são compatíveis e o correto seria viver aquilo tudo de novo, do êxtase à dor. Significa apenas que foi bom, que foi inesquecível. E que qualquer amor que força as cordas vocais a produzirem um eu te amo não tem fim, mesmo acabando sempre do mesmo jeito, dividido por dois.”
- Gabito Nunes
Vai se entregar pra mim
Trancar o dedo numa porta dói. Bater com o queixo no chão dói. Torcer o tornozelo dói. Um tapa, um soco, um pontapé, dó em. Dói bater a cabeça na quina da mesa, dói morder a língua, dói cólica, cárie e pedra no rim. Mas o que mais dói é saudade.
Saudade de um irmão que mora longe. Saudade de uma cachoeira da infância.
Saudade do gosto de uma fruta que não se encontra mais. Saudade do pai que já
morreu. Saudade de um amigo imaginário que nunca existiu. Saudade de uma
cidade. Saudade da gente mesmo, quando se tinha mais audácia e menos cabelos
brancos. Dó em essas saudades todas.
Mas a saudade mais dolorida é a saudade de quem se ama. Saudade da pele, do
cheiro, dos beijos. Saudade da presença, e até da ausência consentida. Você
podia ficar na sala e ele no quarto, sem se verem, mas sabiam-se lá. Você podia
ir para o aeroporto e ele para o dentista, mas sabiam-se onde. Você podia ficar
o dia sem vê-lo, ele o dia sem vê-la, mas sabiam-se amanhã. Mas quando o amor de
um acaba, ao outro sobra uma saudade que ninguém sabe como deter.
Saudade é não saber. Não saber mais se ele continua se gripando no inverno. Não
saber mais se ela continua clareando o cabelo. Não saber se ele ainda usa a
camisa que você deu. Não saber se ela foi na consulta com o dermatologista como
prometeu. Não saber se ele tem comido frango de padaria, se ela tem assistido
as aulas de inglês, se ele aprendeu a entrar na Internet, se ela aprendeu a
estacionar entre dois carros, se ele continua fumando Carlton, se ela continua
preferindo Pepsi, se ele continua sorrindo, se ela continua dançando, se ele
continua pescando, se ela continua lhe amando.
Saudade é não saber. Não saber o que fazer com os dias que ficaram mais
compridos, não saber como encontrar tarefas que lhe cessem o pensamento, não
saber como frear as lágrimas diante de uma música, não saber como vencer a dor
de um silêncio que nada preenche.
Saudade é não querer saber. Não querer saber se ele está com outra, se ela está
feliz, se ele está mais magro, se ela está mais bela. Saudade é nunca mais
querer saber de quem se ama, e ainda assim, doer.
Martha Medeiros
Não acredito em poetas nem em filósofos gregos ou alemães, em psicanalistas ou em biólogos. Não acredito em teorias ou conselhos, em receitas ou testes de revistas. Não acredito nos mais velhos e nem em livros de autoajuda, em filmes americanos ou na Wikipédia. Não acredito em cartomantes nem em simpatias, em cantadas infalíveis ou versículos da Bíblia. Não acredito em Eros ou Afrodite, nos programas do Sílvio Santos ou na genética. Nem no García Márquez e nem no Sternberg. Não acredito em Santo Antônio ou no Dia dos Namorados.
Eu
acredito em canções. Eu acredito no Elvis Costello. Entendo tudo que os discos
do Stevie Wonder querem me dizer. Acredito nos caras do Coldplay. Acredito em
Solomon Burke, Cazuza, Nirvana, Queen, Tom Waits, The Smiths, All Green, Frank
Sinatra, Neil Young, Verve e Radiohead. Estou com "Something", dos
Beatles. Confio em "Baby, I Love Your Way", Peter Frampton. Me
consolo com "Leaving On A Jet Plane", na versão de Peter, Paul &
Mary. Posso ser definido por "Comfortably Numb", Pink Floyd ou pela
turma do Bread, com "Lost Without Your Love". Tim Maia, John Lennon,
Carly Simon, Marvin Gaye, Jim Morrison, Chico Buarque, Otis Redding. Esse é o
pessoal que você realmente não perde por escutar.
Não
existe nada grafado em papel ou num divã de vinil que faça sua alma compreender
do que é feito o amor. Já ouviu falar em paixão, intimidade, sexo, loucura,
companheirismo, saudade? Se já, aposto 50 dinheiros, não foi porque leu em
algum lugar ou ouviu um professor os descrevendo. Você cruzou com isso em vida
ou então pôs seus headphones e deixou-se levar por uma canção, as três de uma
madrugada insone. Um dia você precisou aliviar seu sofrimento e quem estava lá?
Sua mãe, um analista, um amigo bêbado? Fodam-se eles. Você ligou o rádio e
alguém como Ian Curtis ou os rapazes do U2 disseram "ei cara, pare de
lamentar sua perda, você já deu a volta por cima, pense no quanto você está
melhor hoje". Aí você muda o disco.
O
que você entende por grupo de ajuda? Weezer, New Order, Velvet Underground?
Exato. Quando alguém te disser "eu estarei lá por você" só acredite
se vier do Bon Jovi, Jacksons Five ou do Kenny Rogers. Eles são os únicos que
você pode contar, no duro. Do resto, esqueça. Eles vão falar todo tipo de
porcaria, cheios de razão, arrogância e menosprezo vão ditar regras, dizer que
isso que soca seu peito é passageiro. E quem são eles? Um bando de diplomas
pretensiosos na parede empoeirada, rindo da sua cara pelas costas, seu suposto
idiota.
Para
dilatar uma alma contraída não há formação. Só duas coisas são capazes de
arrepiar os cabelos do seu braço: um toque carregado de ternura ou a bela
melodia num solo de guitarra. A única coisa que realmente importa acontece no
pátio em intervalos, e não nas salas de aula. Seja qual for a história, se
houver uma canção narrando sua situação, não importa o que disserem ou o que
estiver escrito. É amor.
Gabito
Nunes